terça-feira

Artes e aprendizagens

Esse texto foi inspirado na aula da professora Karyne Dias Coutinho, na disciplina "Foucault e a pesquisa educacional", a obra e as referências bibliográficas foram por ela apresentadas.

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A obra nomeada Espaços virtuais: Cantos IV A de Cildo Meireles foi apresentada a turma. Apesar de reconhecer a importância do artista brasileiro expor no Palácio de Velázquez, em Madri, o que mais quero reconhecer aqui é sua inventividade e em quais aspectos essa arte me afetou. Aparentemente, pode parecer nosense a imagem de uma pessoa entrando (ou saindo?) de uma fresta em um canto de parede, porém ao relacioná-la com a aula que abordou os textos de Jorge Larrosa (2010) do livro Pedagogia Profana, mais precisamente os capítulos "Sobre a lição" e "Imagens do Estudar", me veio à mente algumas conexões.

A primeira conexão é a de que, assim como Larrosa nos convida a buscar os silêncios, vazios da leitura, nos encontrando conosco mesmo em uma experiência de liberdade, a obra de Cildo nos remete ao nada, a "lugar algum" e nos faz adentrar em um abismo de sentido. Afinal, o homem está entrando ou saindo de "nenhum lugar". Assim, Larrosa ao nos explicar o que seria uma lição ao seu ver, nos aconselha a abandonar as frases prontas, os sentidos prévios e as interpretações adequadas da leitura que nos foi/é apresentada. 

Ao mesmo tempo, em que identificamos o vazio na obra de Meireles, podemos associar a experiência da leitura como uma experiência enteógena, no sentido de que seja uma experiência interior, um mergulho profundo nas nossas indagações existenciais. Ao ler, devemos nos isolar de todas as significações completas, finitas e desgastadas. Devemos abandoná-las e nos possibilitar uma experiência com os vazios do texto, com o inédito, com um novo encontro com nós mesmas/os.

A segunda conexão acontece com o sentido da leitura como uma "dívida" e uma "tarefa" (LARROSA, 2010), pois se trata de uma responsabilidade com aquilo que nos foi dado e uma tarefa tornada ação/movimento. Nesse sentido, a obra "Cantos IV A" nos inquieta por sua dinâmica. A pessoa/modelo pode estar estática para a composição da instalação, mas seu corpo está inclinado, como se quisesse chegar ou partir. Sua perna esquerda sugere que um passo foi dado. Não sabemos se foi um passo à frente ou atrás e talvez isso pouco importe, mas que algo o mobilizou, como uma "tarefa", assim é a leitura, ela nos põe em movimento, de partida ou chegada.

A terceira e última conexão nos aponta para o que não está visto na obra: o rosto, parte do tórax e a perna direita de uma pessoa. O que não é visto não é menos importante do que é visto. Talvez no que está escondido na obra de Cildo é onde devemos mais ater nosso olhar. A face praticamente "fundida" com a parede nos revela o quanto a pessoa está imbrincada com esse "nenhum lugar". Nos capítulos de Larossa, nos é alertado para a prática de entrega e de "devires mútuos", isto é, a hospitalidade da leitura e a capacidade de entrega de quem a lê.
Se faz preciso, segundo Larrosa, para uma boa lição de leitura: a entrega. Estar aberto a deixar que as palavras nos afetem de maneira íntima, porém não de modo familiar, mas de modo estranho....



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