quarta-feira

Palavras e Pesos

Natal, 7 de dezembro de 2016


Muitas vezes, acompanhar movimentos sociais (feministas, anticapitalistas, antirracistas, movimentos negros e afins) através de redes sociais nos faz mergulhar numa esfera monotemática. Abro o twitter e vejo uma explosão de pensamentos, comentários e críticas inseridas nas mesmas narrativas de sempre (sempre?). Nessa última semana, o assunto "aborto" veio à tona devido um julgamento do STF de um caso específico, no qual se anistiou uma clínica que realizava abortos, julgando como legal a prática do aborto até os três primeiros meses.

A partir desse caso, acompanhei uma guerra de pensamentos. Um deles se mostrava contrário à prática do aborto tendo em vista o argumento religioso que dita que devemos proteger a vida (sic) do embrião em formação. O outro argumento, o qual defendo, pautava-se pela autonomia da mulher, sobre o direito ao controle reprodutivo de seu corpo e pela liberdade de decidir interromper ou continuar a gravidez.

Neste argumento, aparentemente havia uma narrativa hegemônica, observada em postagens de mulheres, cuja centralidade estava na luta pelo direito ao aborto seguro e legal. Mas algo que me inquietava e parecia não compactuar com essa narrativa. Era o fato de usarem a metáfora do "aborto", diziam: "o homem aborta". Exemplo disso é esta charge:


Ao falar que homem aborta, as pessoas relacionavam a prática do aborto com o abandono, com a (não) ética e com os privilégios sociais que os homens possuem quando resolvem não se comprometer com a paternidade. Dessa maneira, contribuíam para a imagem da mulher que aborta como um ser que comete uma falha de caráter, que foge à sua responsabilidade (seu dever de ser mãe). Por que então relacionar o aborto ao abandono paterno se a luta é pela desmistificação/descriminalização da mulher que aborta? Então, é preciso atentar para as palavras, elas carregam história, significação e peso. Homem não aborta, pois aborto não tem nada a ver com abandono e sim com o poder de escolha da mulher. A mulher que aborta também não está abandonando uma responsabilidade, porque esta não é inata e sim imposta, é uma imposição social ditar que a mulher permaneça gestante e tenha um bebê.

Parece contraditório, mas o discurso ás vezes nos escapa e mesmo lutando contra algo, somos pegas reproduzindo um discurso contrário às nossas intenções. Como é bom escurecer as coisas e perceber suas nuances...

As palavras pesam.

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