sábado

Cuidado: Mulher radical

Há algum tempo tenho me cansado dos rótulos, estereótipos e etiquetas de supermercado que as pessoas, em seus mais plenos estados de gentileza e altruísmo, me enquadram. Gentileza sim, pois considero, especificamente, o mais belo dos elogios (mesmo que suas intenções não sejam elogiar e me dar prazer) ser chamada de "radical".
Radical pra mim é uma palavra sublime, o radical das palavras, o radical ligado à raiz, aos princípios, ao que prende cada pessoa em determinado lugar nesse mundo.
Ainda que eu pague um preço alto ("sua chata, rabungenta, encrenqueira e polêmica"), prefiro ser radical, pois é essa radicalização que me ajuda a descobrir meu lugar no mundo, buscando convicção, coerência e coesão nas ideias e na minha vida por completo.
É claro que o fato de eu ser feminista colabora para eu ser chamada de "radical", entendido aqui como um ser louco, desorientado, sem noção da realidade, perdido no espaço e no tempo de uma galáxia distante da nossa.
Pessoas que consideram feministas radicais são as mesmas que acham que desigualdade entre gêneros não existe, que a mulher já alcançou o espaço nos mais diversos setores e que sem conhecimento da luta de mulheres e homens por um mundo mais igualitário, desqualificam o movimento feminista gratuitamente, com intuito de não mecher no status quo, deixar tudo como está, "não crie problemas", "seja mais comportadinha!".
Pois é, eu não irei ser agradável quando o assunto for preconceito de gênero, meche comigo, me inquieta e acho que sempre estarei sensível à luta por igualdade das mulheres e dos seres humanos no geral. Acredito, ao longo de tantas experiências, que não consigo conviver com os indiferentes, aqueles que não se movem, permancem na escuridão da caverna, sem nenhuma chama de transformação.
Junta a apatia deles ao anti-ativismo, que é expressado na ojeriza que demonstram por quem defende uma causa e quer defendê-la em todas as situações de sua vida.
Talvez o tempo me faça calos nesse impulso radical, nos meus sonhos, na sede de pelejar até que todas sejamos livres, mas não quero que se apague em mim essa chama jamais, vou aquecê-la um pouco mais ainda hoje..

quinta-feira

Identidade

      O que terá levado Darcy Ribeiro — e ele mesmo se faz essa pergunta — a embrenhar-se, tão jovem, aos 27 anos, pela solidão da lonjura tropical brasileira, misturando sua vida à de dezenas de aldeias indígenas? No Brasil, são raríssimos os intelectuais com este percurso, com a coragem de ir ver de perto e de dentro, durante longos meses, a condição social, material e cultural dos destituídos, e mais, a de outros povos, compartilhando suas alegrias e sofrimentos. Poderia ter feito outras escolhas profissionais e, como sabemos, acabou se tornando um grande político, ministro, senador da República, fundador e reitor de uma universidade, mestre, como escreveu Antonio Candido, na arte de lidar com as instituições, construí-las sem perder a irreverência e a indignação diante da injustiça. Sua dedicação aos povos indígenas, massacrados pelo Brasil colonizador, marginalizados e desprezados pelo racismo e pelo pensamento dominante brasileiro, fez dele um pensador original na esquerda brasileira e na formulação de políticas públicas, preocupado não só com o socialismo, as liberdades democráticas e a igualdade, mas também com a identidade étnica e a diferença cultural, direitos humanos fundamentais dos primeiros brasileiros e de muitos outros povos.
Betty Mindlin.

Yonomamis. Foto de Cláudia Andujar