sexta-feira

A magia da disciplina MPB I


Das minhas lembranças guardadas na memória afetiva dos tempos universitários, trago a minha passagem pelo Departamento de Música, aquele prédio moderno e apartado do campus da UFRN que chamava atenção de todas/os quando o transporte circular passava e podia-se avistar pessoas com instrumentos encapados entrando no prédio numa atmosfera encantadoramente elegante. 
Eu cursava Pedagogia, no setor I, um amontado de concreto, janelas feitas para neve, cores sóbrias e estudantes mais sem graça que já pude ver: os do curso de Direito, Serviço Social, Economia, Biblioteconomia, Administração, as chamadas "ciências sociais aplicadas", o termo aplicadas dava o tom de sobriedade e desencanto dos estudantes daquele setor.

Eu, inquieta e sempre desgostosa com o cenário morno daquele lugar, sempre procurava percorrer setores outros por diversos motivos. Primeiramente, porque era do Centro Acadêmico de Pedagogia e dava um jeito de ocupar todos os espaços que uma representante de C.A. podia estar, segundo porque era ligadíssima nos eventos, mesas e seminários de outras áreas, especialmente dos setores ligados aos cursos de humanas/artes e terceiro porque adorava socializar e aquele ambiente em especial me proporcionava bons devaneios e experiências lúdicas únicas com estudantes tagarelas como eu.

Nos últimos períodos do meu curso, estava obstinada a cursar uma disciplina teórica no departamento de música. Não tinha pretensão de aprender a tocar ou cantar, pois não tinha qualquer noção, mas a historização da música popular brasileira sempre me encantava. Eu passava horas me deleitando dos gigantes da MPB. Os frutos da diáspora musical nordestina para o centro do país me fascinavam e tinha curiosidade de me aprofundar nas raízes do samba, do Tropicalismo, da Bossa Nova, entre outros...Finalmente encontrei uma disciplina complementar: MPB I, com o professor Agostinho.

Foi a experiência teórica mais prazerosa que pude vivenciar nos 7 anos que frequentei aquele espaço. O professor me parecia uma figura tão excêntrica que passei a observar sua didática com as lentes antropológicas de uma quase pedagoga analisando sua identidade docente única. Sua voz era baixa e lenta, durante a maior parte do tempo ministrava sua aula hiper organizada sentado, posição esta que não arranhava em nada a qualidade de sua mediação. Tranquilamente ele trazia referências da etnográficas, históricas e culturais do surgimento do samba e dos primeiros ritmos populares brasileiros. Ás vezes, sua fala bastante lenta e pausada lembrava a fala de alguém alcoolizado, isso tornava mais especial aquele momento. Eu pensava: "Puxa vida, mesmo ele parecendo embriagado, consegue lembrar de tanta coisa!"

Não se sabia se ele estava cansado embriagado e por isso permanecia sentado o tempo todo ou se essa postura fazia parte da cadência musical do conteúdo que partilhava. Ele fazia a pinta do perfeito boêmio fatigado da vida.

Logo procurei caçar o livro que era mais citado, "História Social da Música Popular Brasileira", do José Ramos Tinhorão.  Agia assim quando uma disciplina me provocava paixão e interesse. Corria atrás do livro na biblioteca, na internet ou na cooperativa. Gostava de passar horas buscando as referências das disciplinas que me eram apaixonantes. Ler esse livro foi um deleite, saber dos primórdios do gênero que aprendemos a chamar de MPB me envolvia demais.

As aulas de MPB I não eram apenas expositivas, se fossem não teria gostado tanto do curso. O professor trazia audições para a classe. Sim, ele colocava músicas para a turma ouvir. Era mágico, pois podíamos ouvir e sentir ali naquele instante as explicações históricas e culturais. Essa dinâmica de ouvir as histórias e sentir (me arrepiar!) as audições musicais dos ritmos populares desenvolvidos predominantemente pela população negra que residia no Brasil, me encantava e certamente, é uma das lembranças mais afetuosas e ricas que carrego desses tempos, onde a curiosidade e descoberta eram fortes sentimentos no meu peito. Uma boa partilha de saberes marca qualquer aprendiz!

quinta-feira

Escola sem fundamentalismo


Há muito tempo, a escola pública tem sido o alvo das mais diversas problematizações. Movimentos sociais, estudiosos e pesquisadores, na maioria dos casos, enxergam o espaço escolar como lugar de reproduções das opressões e mazelas sociais.
Pensando de modo categórico, a escola é tida como lugar onde ocorrem violências relacionadas ao racismo, machismo, homofobia, lesbofobia, transfobia e aos valores do modo de vida capitalista.

De um lado, tais movimentos críticos bradam que é preciso combater essas opressões no seio escolar, que se faz necessário e urgente o investimento em políticas, programas e formações que lidem com essas problemáticas sociais. Do outro, gritam que a escola, nos moldes que foi concebida, está fadada ao fracasso e que jamais cumprirá a função de transformação visto que foi constituída para manutenção dos valores de falidas democracias. 

Diante de tantas/os interessadas/os em opinar e apontar proféticas soluções para a educação, observo que o ativismo está cada dia mais distante da realidade escolar. Os ativismos, muitas vezes, não dialogam com realidades diferentes das que estão inseridos (universidade, rodas de conversa, mesas-redonda, seminários, plenárias, articulações internas, espaços políticos-culturais, etc). 

Sendo assim, ao mesmo tempo que se (pre)ocupam em pensar a escola como principal espaço para suas críticas e crenças num mundo mais justo para todas/os, os movimentos políticos-sociais-culturais, de maneira geral, se distanciam do chão da escola e abrem espaço para quem está mais forte na disputa política atual: grupos fundamentalistas religiosos, que pregam a cultura do ódio e intolerância às minorias políticas.

Durante minha tenra carreira como educadora e no compartilhar olhares com outras/os e educadores/as da rede pública de educação, pude perceber o quanto esses grupos adentram, de modo inquestionável, a rotina escolar, os materiais didáticos e acabam permeiando, com seus paradigmas retrógrados, muitas práxis pedagógicas.

Também observo nas práticas docentes muitas/os profissionais que rejeitam qualquer iniciativa escolar voltada a abordar problemas ligados ao racismo (ignorando conteúdos ligados a história e cultura afro-brasileira, mesmo que exista a Lei 10.639/03 que obriga esse ensino). Rejeitam a problemática do racismo, corroborando com os grupos religiosos que negam a cultura e história afro-brasileira, considerando-as "amaldiçoadas", "condenáveis", "perversa". De modo similar, brigam para manter a cultura dos estereótipos de gênero na escola, sob o pretexto bíblico: "Deus fez a mulher assim e o homem assado, é da natureza!"

É evidente que qualquer referência à diversidade de identidades de gênero e sexual seja condenada. Com a difusão de projetos da direita radical, vide o Escola Sem Partido, que só se expande em todo Brasil, ganhando adeptos, sendo votados em Câmaras municipais e estaduais, esses grupos ganharam mais liberdade para se expressar sem constrangimento de estarem infringindo a laicidade do estado brasileiro. Através de frases de efeito e propagação de ideias falaciosas (como o kit gay e cartilha sexual para crianças), se justificam com os jargões: "Na bíblia diz que Deus fez o homem e a mulher, o resto é aberração. Por causa dessa inversão de valores, o mundo está essa zona!"

Das mais diversas maneiras, a comunidade escolar naturaliza as opressões que reproduz com poucas resistências advindas de docentes que tomam partido contra o machismo, racismo e lgbtfobia. Tomar partido significa que não fazem vista grossa e não ignoram que o Brasil é o 5º país com os índices mais alarmantes de feminicídio, que é estruturalmente racista e um dos lugares mais perigosos para  a população LGBT viver.

Sendo assim, sem medo de perseguições e com a convicção que estamos atuando de acordo com a função dita democrática da escola pública, nós, educadoras/es resistimos aos avanços dos grupos políticos fundamentalistas que disputam poder nas políticas educacionais municipais, estaduais e nacionais, barrando importantes projetos educativos que dialogam com os direitos humanos, em especial com os que combatem as várias formas de violência de gênero. Os grupos fundamentalistas, que incidem em associações de bairros, conselhos e nos mais diversos espaços públicos, ao se aliarem com a bancada política conservadora, estão conseguindo aprovar suas iniciativas e manter a escolarização de crianças e jovens pautada no moralismo cristão e na propaganda da famigerada família heteronormativa brasileira. Enquanto isso, movimentos sociais e esquerdas, continuam ignorando o alvo principal do fundamentalismo (a escola pública) e parecem não sair de uma intensa ressaca pós-golpe...

Sonho de andar na rua, tranquila.

Esse é um breve relato sobre uma vida inteira andando à pé e recebendo olhares, quando não outras expressões, de assédio machista. Chego aos trinta anos e nada mudou. Consigo me lembrar da minha pré adolescência, por volta de 12 a 13 anos, quando ia à banca de revistas ou comprar pão e durante o caminho, alguns torpes barbados me fitavam com olhos arregalados ou encaravam minhas pernas e bunda. Poxa, como era doloroso saber que quando passava, aqueles mesmos barbados estavam a secar minha bunda. Eu sentia vergonha de mim, sentia vergonha e nojo do meu próprio corpo, que mesmo naquela tenra idade, atraía aqueles olhares asquerosos. Eu me culpava.

Naquela idade, eu não entendia o porquê do assédio ao andar na rua. Hoje sei que minha existência como mulher negra, num país altamente machista e racista, tem um peso muito forte. Um peso fortemente sexualizado e objetificado, à custa de muitas violências romantizadas na nossa história sócio cultural e alimentado diariamente por uma mídia que lucra com a imagem da ~mulata tipo exportação~, que vende nossos corpos enquanto corpos sem almas, que só rebolam, que só dançam, que são só sensuais, que só servem ao olhar masculino e existem apenas para ~servi-lo~.

Fui crescendo e essa vergonha do meu próprio corpo se transformou em resistência. Não importava com que roupa eu estava saindo, eu iria sair da forma que desejasse e iria olhar feio, estirar o dedo ou xingar quem estivesse me interpelando com olhares tarados. Em alguns casos, sentia medo, em outros estirava mesmo o dedo e o sujeito se encabulava ou ficava surpreso com minha reação. Eles nunca esperam reação, eles esperam que a gente abaixe a cabeça e continue andando ou que nos encabulem e nos sintamos constrangidas. E sem nenhuma piedade, eles possam debochar da situação, gozando da perversão de mexer com uma estranha na rua e não sentir receio algum.

A cultura de machismo não cessa de produzir medos.

É frustrante sentir que todas as discussões, lutas e gritos ecoados pelos feminismos não são suficientes para convivermos pacificamente com os homens em nossas rotinas diárias, em nossas caminhadas, na nossas idas à padaria ou ao mercado. Nos nossos lazeres diurnos e noturnos, não temos o direito de andar sozinhas e seguras sem sermos interpeladas pela sexualização dos nossos corpos. Falta muita responsabilização por parte dos homens.

Sonho com um mundo em que todas possam andar tranquilamente, da maneira que decidiram, sem serem violentadas pelo machismo. Não te devemos um sorriso, não te devemos nossos corpos, não te devemos nada, deixem-nos passar!




quarta-feira

Palavras e Pesos

Natal, 7 de dezembro de 2016


Muitas vezes, acompanhar movimentos sociais (feministas, anticapitalistas, antirracistas, movimentos negros e afins) através de redes sociais nos faz mergulhar numa esfera monotemática. Abro o twitter e vejo uma explosão de pensamentos, comentários e críticas inseridas nas mesmas narrativas de sempre (sempre?). Nessa última semana, o assunto "aborto" veio à tona devido um julgamento do STF de um caso específico, no qual se anistiou uma clínica que realizava abortos, julgando como legal a prática do aborto até os três primeiros meses.

A partir desse caso, acompanhei uma guerra de pensamentos. Um deles se mostrava contrário à prática do aborto tendo em vista o argumento religioso que dita que devemos proteger a vida (sic) do embrião em formação. O outro argumento, o qual defendo, pautava-se pela autonomia da mulher, sobre o direito ao controle reprodutivo de seu corpo e pela liberdade de decidir interromper ou continuar a gravidez.

Neste argumento, aparentemente havia uma narrativa hegemônica, observada em postagens de mulheres, cuja centralidade estava na luta pelo direito ao aborto seguro e legal. Mas algo que me inquietava e parecia não compactuar com essa narrativa. Era o fato de usarem a metáfora do "aborto", diziam: "o homem aborta". Exemplo disso é esta charge:


Ao falar que homem aborta, as pessoas relacionavam a prática do aborto com o abandono, com a (não) ética e com os privilégios sociais que os homens possuem quando resolvem não se comprometer com a paternidade. Dessa maneira, contribuíam para a imagem da mulher que aborta como um ser que comete uma falha de caráter, que foge à sua responsabilidade (seu dever de ser mãe). Por que então relacionar o aborto ao abandono paterno se a luta é pela desmistificação/descriminalização da mulher que aborta? Então, é preciso atentar para as palavras, elas carregam história, significação e peso. Homem não aborta, pois aborto não tem nada a ver com abandono e sim com o poder de escolha da mulher. A mulher que aborta também não está abandonando uma responsabilidade, porque esta não é inata e sim imposta, é uma imposição social ditar que a mulher permaneça gestante e tenha um bebê.

Parece contraditório, mas o discurso ás vezes nos escapa e mesmo lutando contra algo, somos pegas reproduzindo um discurso contrário às nossas intenções. Como é bom escurecer as coisas e perceber suas nuances...

As palavras pesam.

terça-feira

Artes e aprendizagens

Esse texto foi inspirado na aula da professora Karyne Dias Coutinho, na disciplina "Foucault e a pesquisa educacional", a obra e as referências bibliográficas foram por ela apresentadas.

...


A obra nomeada Espaços virtuais: Cantos IV A de Cildo Meireles foi apresentada a turma. Apesar de reconhecer a importância do artista brasileiro expor no Palácio de Velázquez, em Madri, o que mais quero reconhecer aqui é sua inventividade e em quais aspectos essa arte me afetou. Aparentemente, pode parecer nosense a imagem de uma pessoa entrando (ou saindo?) de uma fresta em um canto de parede, porém ao relacioná-la com a aula que abordou os textos de Jorge Larrosa (2010) do livro Pedagogia Profana, mais precisamente os capítulos "Sobre a lição" e "Imagens do Estudar", me veio à mente algumas conexões.

A primeira conexão é a de que, assim como Larrosa nos convida a buscar os silêncios, vazios da leitura, nos encontrando conosco mesmo em uma experiência de liberdade, a obra de Cildo nos remete ao nada, a "lugar algum" e nos faz adentrar em um abismo de sentido. Afinal, o homem está entrando ou saindo de "nenhum lugar". Assim, Larrosa ao nos explicar o que seria uma lição ao seu ver, nos aconselha a abandonar as frases prontas, os sentidos prévios e as interpretações adequadas da leitura que nos foi/é apresentada. 

Ao mesmo tempo, em que identificamos o vazio na obra de Meireles, podemos associar a experiência da leitura como uma experiência enteógena, no sentido de que seja uma experiência interior, um mergulho profundo nas nossas indagações existenciais. Ao ler, devemos nos isolar de todas as significações completas, finitas e desgastadas. Devemos abandoná-las e nos possibilitar uma experiência com os vazios do texto, com o inédito, com um novo encontro com nós mesmas/os.

A segunda conexão acontece com o sentido da leitura como uma "dívida" e uma "tarefa" (LARROSA, 2010), pois se trata de uma responsabilidade com aquilo que nos foi dado e uma tarefa tornada ação/movimento. Nesse sentido, a obra "Cantos IV A" nos inquieta por sua dinâmica. A pessoa/modelo pode estar estática para a composição da instalação, mas seu corpo está inclinado, como se quisesse chegar ou partir. Sua perna esquerda sugere que um passo foi dado. Não sabemos se foi um passo à frente ou atrás e talvez isso pouco importe, mas que algo o mobilizou, como uma "tarefa", assim é a leitura, ela nos põe em movimento, de partida ou chegada.

A terceira e última conexão nos aponta para o que não está visto na obra: o rosto, parte do tórax e a perna direita de uma pessoa. O que não é visto não é menos importante do que é visto. Talvez no que está escondido na obra de Cildo é onde devemos mais ater nosso olhar. A face praticamente "fundida" com a parede nos revela o quanto a pessoa está imbrincada com esse "nenhum lugar". Nos capítulos de Larossa, nos é alertado para a prática de entrega e de "devires mútuos", isto é, a hospitalidade da leitura e a capacidade de entrega de quem a lê.
Se faz preciso, segundo Larrosa, para uma boa lição de leitura: a entrega. Estar aberto a deixar que as palavras nos afetem de maneira íntima, porém não de modo familiar, mas de modo estranho....



Balada dos Caranguejos Sem Cérebro

Desde que me entendo por gente, sempre curti as variadas formas de alteração e expansão da consciência, se é que me entendem e sempre tive enorme apreço pela fuleragem, maresia, sacanagem e regalias, obviamente. Longe de querer estereotipar um tipo de evento e reconhecer que muita gente amiga e interessante é amante das festas raves, preciso externar certas impressões que obtive frequentando algumas dessas baladas contemporâneas.


Ciente de que corro o risco de ser acusada de estar generalizando e legitimando um preconceito, antecipo que se trata de uma opinião íntima e pessoal, do tipo: "se gostou, bate palma" / "se não gostou, feche o blog".

Primeiramente, constatei estar entre uma juventude obcecada pelo corpo perfeito. Estava diante da mais perfeita expressão coletiva do culto aos padrões normóticos do ser que não almeja ser, mas aparentar. Pessoas que viram caricaturas de si mesmas, pois pensam incessantemente em malhar, ficar saradona/ão, trabalhar braços, pernas, glúteos, tríceps, que poderiam muito bem andar como quadrúpedes, pois estariam bem adaptados fisicamente. Não me atrevo a criticar os aspectos ligados ao auto-cuidado, da busca por um corpo saudável, mas sim analisar o quanto a preocupação estética atinge as mentes ululantes amantes da saração.

É evidente que ao encontrar uma multidão ajustada à um modelo de corpo nota-se o quanto são dependentes do culto aos espelhos, com veias contaminadas pelo vírus da escravidão da beleza. Ora, se o que nos humaniza é nos reconhecermos não só na beleza, mas também na tragédia e em nossas diferenças, como posso admirar um coletivo que exibe corpos iguais esculpidos no modelo "máquinas perfeitas"?

Esteticamente iguais, os caranguejos sem cérebro (parte da turma amante das raves) também são adeptos das caras e gritantes marcas, com letras garrafais estampadas em bonés, óculos, camisetas, blusas e bermudas, roupas esportivas que custam quase um salário de um trabalhador, exibem-se triunfantes Billabong, QuickSilver, Oakley, entre outras marcas de alto valor monetário. Ciclanos, beltranxs e fulanxs ofuscam o que há de mais lindo na humanidade: a diversidade e singularidade.O lance é estar "top", estar no padrão.

Na busca de um corpo perfeito esculpido à custa de malhações e enxertos de anabolizantes, o clube dos corpos televisivos se vê dentro de uma jaula chamada narcisismo. O narcisista ama o que lhes é parecido. O narcisista dança e se exibe, sem a pretensão de interagir com outrxs que não sejam do seu clube. E nessa balada da multidão solitária, você é o que veste, você é o que tem. E se você aparenta estar gostosx e bem na fita com as peças mais caras do mundo xovem e rico, você será bastante popular.

Vale tudo pra entrar nos conformes corpóreos e estéticos dessa tribo, que nada se assemelha aquela dos anos 60, que suava em meio ao lamaçal, rejeitava qualquer padrão imposto ou repressão moral. Eram também praticantes de amores libertários e da liberação do corpo e mente para vivenciar formas autênticas e potentes de vida. Hoje, posso constatar que xs jovens nem almejam as formas libertárias de viver e de amar e se encontram mais presos na cela do consumismo. Cada vez mais presxs nas caixinhas da vida...

segunda-feira

TransformaDOR em ódio

Banalizam a violência gratuita dizendo que você não é nenhuma criança, te fragilizam alegando que nossas histórias são "tronchas", que você tava no lugar errado e na hora errada, como se o machismo e a covardia escolhessem hora e local pra se expressar. 

Tá tudo tão escrachado, nas rodas onde predominam vozes masculinas a misoginia e o ódio reinam, nossas vivências sexuais nos colocando nas cadeiras de réus.
O desrespeito cruel nos espaços íntimos e públicos virando as "novidades" do momento, as últimas pra rir e fazer chacota da desgraçada que se fudeu. 

Não é assim que o celebrado Nelson Rodrigues já dizia, "mulher gosta de apanhar"?? E assim toma corpo e espaço as ideias que querem que permaneçamos vulneráveis, passivas às perversidades do patriarcado. 

A dor de saber que nos querem frágeis e da cínica cumplicidade das pessoas com os agressores. Sabemos que formariam platéia pra assistir a mais um 'barraco' do que agiriam em defesa de uma vítima de violência. Está doendo muito e mais ainda por saber que milhões de pessoas convivem diariamente com a macheza truculenta de muitos.

Me dói ouvir que isso vai passar, porque não quero esquecer tudo isso, não quero essa dor estanque, quero que ela movimente a ira que tenho contra o machismo, que se transforme em (re) ações, quero ouvir "estamos com você" e não "mude sua conduta". Não quero que justifiquem a brutalidade masculina pelo uso de drogas! Queremos reconhecimento do nosso ódio contra os pais que violam, ofendem e destroem a alma de suas filhas, dos namorados e ex companheiros que minam nossa liberdade, destroem a união entre as mulheres.

Querem nos dividir e nos isolar. Queremos sentir que não estamos sós, nos fortalecendo, sentir que meu ódio não é único e que posso compartilhá-lo com pessoas que acreditam num mundo livre para todas nós, para todxs nós. 

Que a nossa união, apoio, solidariedade, irmandade e nossas reações enfurecidas contra qualquer tipo de opressão machista sejam nossas armas! Celebremos a sororidade!

Não queremos consolaDOR, queremos transformaDOR , que essas nossas dores virem ódio insubmisso à todas as ações de silenciamento e violações machistas!