quinta-feira

Escola sem fundamentalismo


Há muito tempo, a escola pública tem sido o alvo das mais diversas problematizações. Movimentos sociais, estudiosos e pesquisadores, na maioria dos casos, enxergam o espaço escolar como lugar de reproduções das opressões e mazelas sociais.
Pensando de modo categórico, a escola é tida como lugar onde ocorrem violências relacionadas ao racismo, machismo, homofobia, lesbofobia, transfobia e aos valores do modo de vida capitalista.

De um lado, tais movimentos críticos bradam que é preciso combater essas opressões no seio escolar, que se faz necessário e urgente o investimento em políticas, programas e formações que lidem com essas problemáticas sociais. Do outro, gritam que a escola, nos moldes que foi concebida, está fadada ao fracasso e que jamais cumprirá a função de transformação visto que foi constituída para manutenção dos valores de falidas democracias. 

Diante de tantas/os interessadas/os em opinar e apontar proféticas soluções para a educação, observo que o ativismo está cada dia mais distante da realidade escolar. Os ativismos, muitas vezes, não dialogam com realidades diferentes das que estão inseridos (universidade, rodas de conversa, mesas-redonda, seminários, plenárias, articulações internas, espaços políticos-culturais, etc). 

Sendo assim, ao mesmo tempo que se (pre)ocupam em pensar a escola como principal espaço para suas críticas e crenças num mundo mais justo para todas/os, os movimentos políticos-sociais-culturais, de maneira geral, se distanciam do chão da escola e abrem espaço para quem está mais forte na disputa política atual: grupos fundamentalistas religiosos, que pregam a cultura do ódio e intolerância às minorias políticas.

Durante minha tenra carreira como educadora e no compartilhar olhares com outras/os e educadores/as da rede pública de educação, pude perceber o quanto esses grupos adentram, de modo inquestionável, a rotina escolar, os materiais didáticos e acabam permeiando, com seus paradigmas retrógrados, muitas práxis pedagógicas.

Também observo nas práticas docentes muitas/os profissionais que rejeitam qualquer iniciativa escolar voltada a abordar problemas ligados ao racismo (ignorando conteúdos ligados a história e cultura afro-brasileira, mesmo que exista a Lei 10.639/03 que obriga esse ensino). Rejeitam a problemática do racismo, corroborando com os grupos religiosos que negam a cultura e história afro-brasileira, considerando-as "amaldiçoadas", "condenáveis", "perversa". De modo similar, brigam para manter a cultura dos estereótipos de gênero na escola, sob o pretexto bíblico: "Deus fez a mulher assim e o homem assado, é da natureza!"

É evidente que qualquer referência à diversidade de identidades de gênero e sexual seja condenada. Com a difusão de projetos da direita radical, vide o Escola Sem Partido, que só se expande em todo Brasil, ganhando adeptos, sendo votados em Câmaras municipais e estaduais, esses grupos ganharam mais liberdade para se expressar sem constrangimento de estarem infringindo a laicidade do estado brasileiro. Através de frases de efeito e propagação de ideias falaciosas (como o kit gay e cartilha sexual para crianças), se justificam com os jargões: "Na bíblia diz que Deus fez o homem e a mulher, o resto é aberração. Por causa dessa inversão de valores, o mundo está essa zona!"

Das mais diversas maneiras, a comunidade escolar naturaliza as opressões que reproduz com poucas resistências advindas de docentes que tomam partido contra o machismo, racismo e lgbtfobia. Tomar partido significa que não fazem vista grossa e não ignoram que o Brasil é o 5º país com os índices mais alarmantes de feminicídio, que é estruturalmente racista e um dos lugares mais perigosos para  a população LGBT viver.

Sendo assim, sem medo de perseguições e com a convicção que estamos atuando de acordo com a função dita democrática da escola pública, nós, educadoras/es resistimos aos avanços dos grupos políticos fundamentalistas que disputam poder nas políticas educacionais municipais, estaduais e nacionais, barrando importantes projetos educativos que dialogam com os direitos humanos, em especial com os que combatem as várias formas de violência de gênero. Os grupos fundamentalistas, que incidem em associações de bairros, conselhos e nos mais diversos espaços públicos, ao se aliarem com a bancada política conservadora, estão conseguindo aprovar suas iniciativas e manter a escolarização de crianças e jovens pautada no moralismo cristão e na propaganda da famigerada família heteronormativa brasileira. Enquanto isso, movimentos sociais e esquerdas, continuam ignorando o alvo principal do fundamentalismo (a escola pública) e parecem não sair de uma intensa ressaca pós-golpe...

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